No momento você está vendo Autoconhecimento na era dos dados: o dilema entre excesso de informação e saúde mental

Autoconhecimento na era dos dados: o dilema entre excesso de informação e saúde mental

Entenda como o autoconhecimento nos ajuda a navegar na era dos dados, onde o excesso de informação sobre nos mesmos pode não ser o caminho.

É provável que você já tenha ouvido por aí que o conhecimento liberta. Platão, por exemplo, o considera elemento primordial de um bom governo. Contudo, seja para gerir um país ou a própria vida, por meio do autoconhecimento, agora, na era dos dados, é necessário muito discernimento para não fazer confusão entre conhecimento e informação.

“Hoje uma criança de 7 anos possui mais dados que imperadores romanos. Uma de 9 anos possui mais informações que Sócrates ou Platão”

O trecho do livro ‘O Homem Mais Inteligente da História’ do psiquiatra Augusto Cury, reconhecido por refletir sobre os anseios de sociedade atual, ilustra um dilema da modernidade: a internet facilitou o acesso à informação, mas restringiu a capacidade de reflexão e desenvolvimento de conhecimento. Além disso, Cury destaca em seus livros que esse cenário é responsável pela Síndrome do Pensamento Acelerado (ansiedade), que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ocorre em 80% da sociedade. O resultado, insegurança emocional e fragilidade diante as mudanças rápidas do mundo digital e uma piora na saúde mental.

Na falta de respostas, ou no excesso delas, tendências como “Quantified Self”, emergem na busca de masterizar nosso posicionamento no mundo, monitorar comportamentos e respostas físicas do nosso corpo na tentativa de controlar as incertezas da vida. Assim, o esforço pelo autoconhecimento absoluto, que inicialmente é meio de nos trazer segurança e alguma coerência, contraditoriamente nos afasta da noção da nossa vulnerabilidade diante das incertezas da vida.

Nesse desencontro entre o poder do conhecimento e administração do mesmo, vamos mergulhar nesse mundo de informações e refletir qual o melhor caminho para assegurar que o autoconhecimento ainda seja a melhor ferramenta para ascender na era dos dados.

Branding Pessoal vs autoconhecimento

Antes de tudo, é necessário frisar que branding pessoal não é uma ferramenta de autoconhecimento, mas sim de marketing que pode nos ajudar a posicionar melhor nossos desejos em determinada área de nossa vida. Conforme o marketing viu a necessidade de gerar conexão da marca com seus consumidores, absorveu o branding para ajudá-lo na tarefa de controlar a personalidade da marca, mantendo uma coerência e mimetizando comportamentos humanos. Desta forma, o branding pessoal entra na hora de pensar como vamos comunicar ao mundo quem somos diante de um desafio ou uma meta que desejamos alcançar. 

Na jornada do autoconhecimento, precisamos compreender o nosso íntimo, nossas incoerências, motivações, aspirações, coisas que fazemos com prazer, pontos de melhoria, fortalezas e o caminho que gostaríamos de trilhar pela vida. A partir desse estudo curioso sobre si mesmo é possível julgarmos a relevância das informações que consumimos, se é válido consumi-las e se estão de acordo com nossos valores.  Assim, caminhamos diante das incertezas, tendo o autoconhecimento como uma bússola que ameniza as inseguranças e facilita o reconhecimento daquilo que nos faz mal ou bem.

Já o branding pessoal soma a tudo isso fornecendo uma visão estratégica para colocar suas potências em prol de uma ideia de negócio. E nesse contexto, ele se encontra com um termo em ascensão, o “capitalismo de vigilância”. Desenvolvido por Shoshana Zuboff em seu livro “The Age of Surveillance Capitalism” (Public Affairs, 2019), resumidamente o conceito defende que as informações sobre nossos comportamentos também se tornaram mercadoria no feed das redes sociais. Assim, o branding entra como a publicidade de si, focada naqueles atributos de personalidade que te fazem reconhecível e te destacam em uma área para determinado público, se torando fundamental atualmente para alcançar objetivos comerciais.

Como as marcas aderiram à tendência “Quantified Self”

Também fruto da disponibilidade de dados sobre nós e nosso comportamento pelas redes, a comunidade “Quantified Self” apareceu ganhou notoriedade após uma série de reportagens do The Economist e trata do fenômeno cultural do automonitoramento com ferramentas tecnológicas, como os relógios da Apple que monitoram dados de saúde, como batimentos cardíacos.

Muito além de dados de saúde, é possível “se rastrear” por razões diversas. Aprimorar sua rotina de trabalho, melhorar um comportamento social, mudar um padrão psicológico, etc. Em meio a tendência, diversas marcas aderiram à narrativa de empoderamento pessoal por meio de dados e passaram a vender esses aplicativos de rastreio com a promessa de  garantir segurança. Confira abaixo alguns exemplos.

Apple Watch

apple watch e autoconhecimento

O relógio da Apple monitora indicadores de sono, passos, frequência cardíaca e os modelos mais novos, da geração X (décima), medem a pressão arterial e identifica apneia do sono. Todos os dados são integrados ao seu smartphone que cria gráficos e cruza informações sobre sua saúde.

A campanha “Dear Apple”, que começou em 2017 e todo ano  recebe uma nova versão, ilustra a intenção da marca de se posicionar como meio de segurança para o usuário. A narrativa lê cartas de clientes que destacam como o Apple Watch salvou e transformou a vida de cada um deles.

https://www.thedrum.com/creative-works/project/apple-dear-apple

Oura Ring

O Oura Ring é um anel inteligente que monitora mais de 20 indicadores corporais para promover uma rotina mais saudável e prevenir doenças. Ele rastreia a temperatura da pele, ciclo menstrual e outros sinais vitais, utilizando sensores precisos em um design discreto. Feito de titânio, é leve e resistente, confortável para uso durante o sono e atividades físicas. Custando em torno de R$ 3.600,00 a marca é a principal concorrente dos smartwatches, pois além das funcionalidades avançadas de monitoramento de saúde entrega um design inigualável.

A campanha “Your Body has Voice” da marca demonstra o esforço para controlar sua saúde, escutando seu corpo e prever quando seu corpo está bom ou ruim.

16 personalities

autoconhecimento era dos dados

Um dos testes de personalidade mais populares da internet, desenvolvido pela Myers-Briggs Company, o MBTI, como é conhecido, divide os seres humanos em 16 tipos básicos, descritos cada um por um conjunto de quatro letras: ESFJ, ESFP, ISTP. Porém, segundo especialistas entrevistados pela revista Veja, “Na academia, o MBTI praticamente não existe. Você dificilmente vai encontrar um pesquisador que use, você dificilmente encontra artigos publicados. E quando encontra, no geral, é criticando o uso, ou tentando entender a popularidade. Várias pessoas falam que adoram, mas [baseadas em] experiências pessoais e evidências anedóticas.” 

A preocupação se dá, pois os aspectos avaliados pelo teste são elementos que podem variar com o tempo e a personalidade não é algo imutável. Assim, na tentativa de nos sentirmos seguros, investimos em ferramentas que simplificam e transformam o autoconhecimento, um processo normalmente complexo e muitas vezes doloroso, em um mecanismo que desconsidera as camadas do ser.

Construir seu mapa de autoconhecimento vai além dos dados

autoconhecimento era dos dados

Ao mesmo tempo que monitorar seu comportamento pode ser benéfico, pois estimula uma forma de autoconhecimento e posterior autocuidado, a obsessão com as métricas, disponíveis na era dos dados, pode ser desgastante e a dificuldade de transformar informações em conhecimento aplicável, na prática, pode desmotivar. Então, o caminho é usar essas ferramentas com moderação. Isso ajuda a evitar a sobrecarga e a manter a mente aberta a novas percepções e insights inesperados, sem sufocar nossa criatividade, essencial para encontrar soluções instintivas para os desafios modernos. 

Assim, em um mundo de opções ilimitadas e pressões externas constantes, só a sensibilidade humana é capaz de reconhecer quando desconectar e focar no autoconhecimento sem influências externas. É nesse momento que conseguimos nos ancorar aos nossos valores pessoais, limitamos o tempo dedicado ao consumo incessante de informações, preservamos nossa saúde mental e fortalecemos nosso propósito.

Ao buscar solidez interna, é possível fazer escolhas mais conscientes e navegar de maneira mais eficiente em uma sociedade fluida e em constante mudança. Ou seja, o autoconhecimento é a bússola, guiando-nos para decisões que verdadeiramente refletem nossos valores e objetivos, independentemente das pressões externas e das distrações digitais.

Beijos da Be.

Deixe um comentário