Por que marcas ainda erram tanto ao tentar inovar em suas narrativas para gerar engajamento?
O publicitário Walter Longo disse em entrevista para o podcast “Os Sócios” que a publicidade, a partir dos anos 2000, deixou de ser aspiracional (vender o que você pode ser, “o grande herói”) e se tornou identitária (vender o que você é). Nesse sentido, as marcas investem em levantar conversas sociais de muitas maneiras. Porém, o que temos acompanhado são diversos cases de “flop” total. O que nos faz questionar se é possível ter controle do que de fato vai gerar engajamento e o que é preciso considerar antes de colocar uma ideia inovadora como narrativa de uma marca.
Analisamos alguns exemplos recentes do que deu certo, do que deu errado e selecionamos alguns pontos fundamentais para considerarmos antes de nos arriscar em narrativas aparentemente brilhantes para uma bolha criativa, porém não tão obvia para a opinião pública.
Do’s
O Branding de Paola Oliveira para o Carnaval do Rio 2024
A mudança de posicionamento de Paola Oliveira nas redes não é exatamente uma novidade. Já em 2019 a atriz tinha que rebater criticas relacionadas ao seu corpo feitas pelos usuários das redes sociais. Em 2023, Paola Oliveira assinou um contrato com a Dove para não usar mais filtros nas redes. No mesmo ano, após criticas a sua forma física, a atriz pontuou em um vídeo que tem escolhido se pronunciar sobre o assunto. Ela acredita que sua manifestação pública cria um lugar de identificação.
Com o passar dos anos, a atriz estabeleceu seu posicionamento de branding criando uma persona que levanta uma bandeira social clara, a liberdade do corpo feminino. Em meio a tantas críticas, Paola sacudiu a opinião pública mais uma vez e foi o nome mais comentado do Carnaval 2024 devido a apresentação como rainha de bateria da Grande Rio na Sapucaí. A especialista em branding pessoal, Nilma Quariguasi foi a responsável por criar o conteúdo de Paola para a festa. Em sua conta no Instagram, a profissional pontuou brevemente o desafio de exaltar aquele algo único que cada um de nós tem. Para ela, essa pode ser a cartada especial para elaboração de uma estratégia de marca pessoal que gera interesse.
Uber Eats no super Bowl
Em meio a tantos posicionamentos duvidosos ainda existem as marcas que dão um show em suas campanhas, principalmente quando os esforços são feitos para a participação no intervalo mais caro da publicidade mundial, o Super Bowl. Afinal, são 7 milhões de para cada 30 segundos no telão.
A Uber escolheu personalidades famosas para reforçar em tom de comédia que se você esquecer de algo, Uber Eats estará ali para te salvar. Tudo isso sem diminuir o ato de cozinhar ou qualquer outro serviço para exaltar as praticidades do serviço.
Dove no Carnaval do Rio 2024
Segundo um levantamento feito pela Dove, 80% das brasileiras se sente incomodada com os estereótipos relacionados ao corpo. Nesse contexto, a campanha #ReaisMulheresBrasileiras assinada pela Agência Soko e lançada no Carnaval, trouxe uma narrativa que propõe esclarecer os turistas desavisados, que o corpo da mulher brasileira não é cartão de visita e muito menos objeto de exploração sexual.
A marca convidou as influencers Rafa Brites e Letticia Munniz para sair às ruas no carnaval perguntando as mulheres como elas se sentem em relação aos estereótipos do corpo feminino. As histórias mostram o quanto essas presunções são prejudiciais para a nossa autoestima.
Já tem pelo menos 10 anos que a Dove aderiu a uma estratégia de comunicação em que aborda temas envolvendo a liberdade do corpo feminino. Em 2013 a campanha “Retratos da Beleza” já chacoalhou a sociedade ao falar sobre o corpo feminino de uma perspectiva progressista. Assim, a ação de Dove foi um sucesso nas redes e reflete uma estratégia coerente e constante de anos.
“Aqui no Brasil, o Carnaval é um momento em que o mundo está olhando para as mulheres, por isso, decidimos utilizar a força da nossa marca para propor uma campanha corajosa e que questiona o comportamento que oprime os corpos das mulheres do nosso País. Mais uma vez, Dove reforça o seu propósito de marca, para repovoar imaginários e continuar contribuindo para a transformação das estruturas sociais que moldam nossa cultura”, complementou Marianna Ferraz, Gerente de Marketing de Dove para o portal Prop Mark.
Dont’s
Burguer King e Kid Bengala
Não é de hoje que a associação de comida a um tom sexual tem má repercussão. Em 2020, o Mc Donald’s lançou uma campanha que sacudiu as redes enquanto relacionava seu hambúrguer a uma boca que poderia ser beijada. Quatro anos depois, seu principal concorrente tentou a sorte com o trocadilho com cunho sexual e também não teve muito sucesso.
Lançada na quarta-feira de cinzas, a campanha do Burguer King escolheu o ex ator pornô, Kid Bengala, que ficou famoso pelo tamanho do seu pênis nos anos 2000, para exaltar o “Exagero”, nome da campanha da marca. A peça publicitária utilizou o humor como estratégia na tentativa de criar interações com seu público. Porém, a livre associação dos alimentos ao contexto da indústria Pornográfica causou uma baita indigestão para a marca, que rapidamente retirou o vídeo do ar. Mayra Cordeiro, diretora-executiva de criação da agência OMZ, disse ao Meio Mensagem que o principal aspecto que levou a má repercussão da campanha foi a reputação da indústria pornográfica. Afinal, nos últimos anos vieram a público diversos casos de abusos e más condições de trabalho.
O problema foi tão longe que uma semana após o lançamento da campanha, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) abriu um processo para julgar formalmente o conteúdo.
“Em 10 anos ninguém mais vai cozinhar” – Fabricio Bloisi, CEO IFood
Há algumas semanas, falamos sobre o Futuro do mercado de conteúdo e compartilhamos o posicionamento da Diretora de Produto (CPO) do Linketree, Jiaona Zhang. Para ela os caminhos para otimizar a presença no mercado digital passam por falar e ser entendido, primeiro pelo seu time, seguido pelo cliente. Assim, esse seria o segredo para criar produtos e serviços que retém a atenção da audiência, a principal moeda de troca dos dias atuais.
Nesse sentido, a declaração do CEO do aplicativo Ifood em entrevista para Folha de São Paulo destoa do entendimento da maior parte da população brasileira. Ao querer exaltar o potencial de mercado da empresa de entregas de comida, Fabricio Bloisi desconsiderou a relação humana com a comida e o atual momento de transformação de hábitos alimentares ao redor do mundo, principalmente no pós-pandemia, momento em que a empresa cresceu exponencialmente.
Nas redes, a recepção da declaração não foi positiva. Rita Lobo, criadora do site panelinha, disse que a fala foi “elitista” por comparar o ato de cozinhar como algo que deve ser superado. Outros posicionamentos destacam que a falta do delivery não é o real problema da alimentação no país e o quão perigoso é o desenvolvimento cada vez mais distante entre humanos e alimentos. Como uma extensão da intimidade artificial, a comida também perderia seu lugar de transmitir conhecimento, afeto e sabedoria familiar e comunitária. Isso eveita que se torne apenas apenas um produto conveniente.
Na tentativa de apaziguar o debate Fabricio Bloisi voltou as redes para dizer que a intenção de sua fala era ressaltar as estratégias da empresa para popularizar o delivery para classes mais baixas e que ele não acredita no fim do ato de cozinhar. Por fim, disse que as pessoas baseiam sua opinião apenas na chamada.
Ou seja, um desgaste desnecessário para uma empresa que já sofre bastante acusações sobre a precarização do trabalho.
A influencer “PPK da Cláudia”
Com a justificativa de “falar de temas femininos” que envolvem o sistema reprodutor da mulher, a Gillette lançou em 2023 a influenciadora “PPK da Cláudia”. Por muito tempo, a vagina foi tema tabu em rodas de conversa. Por isso, é inegável que precisamos encontrar um ambiente acolhedor para conversarmos sobre isso.
Contudo, a abordagem da Gillette acabou indo para um lado cômico, por vezes reclamão, ao materializar as dicas da “PPK da Claudia”. A imagem da vagina, sua fisiologia, sua função, seu uso, cuidados e principalmente, a relação de nós mulheres com o nosso corpo se trata de um terreno íntimo e pessoal. Portanto, ao propor uma rotina ímtima para a influencer enfatizando uma fantasia feita de drama, queixas e frivolidades, a Gillette errou feio. Ou seja, desconsiderou a complexidade estética e social que o tema envolve e perdeu a oportunidade de demonstrar o prazer de cuidarmos de nós mesmas.
Grandes estúdios e as novas formas de conectar seu storytelling ao momento social
Outro segmento da indústria que está sempre atento às movimentações sociais em busca de engajamento é o audiovisual. Percebendo que discussões sobre intimidade artificial avançam e a valorização dos espaços físicos se faz urgente, a estratégia da vez consiste em invadir os teatros com narrativas reconstruídas. No último ano percebemos a movimentação dos estúdios para encontrar novas maneiras de mobilizar e monetizar as narrativas que já são cases de sucesso.
No teatro
Na Broadway, a Amazon vai invadir o palco e lançará um musical de “Transparent”, um drama disponível no Prime Video. Quem também está investindo no teatro é a Netflix, que irá apresentar uma adaptação da série “Stranger Things” no palco. Chamada de “Stranger Things: The First Shadow” a apresentação acontecerá no West End de Londres. Por fim, a Disney que já está acostumada a adaptar suas histórias para shows ao vivo , seguirá investindo no modelo em produções como, “Frozen” e “Back to the Future”.
Experiências imersivas
Já a Warner está direcionando esforços para abertura de restaurantes temáticos, trazendo uma experiência tridimensional para narrativas blockbusters. Os temas vão do restaurante do Batman, o “Park Row”em Londres até o café de “Friends” que abriu em Boston em novembro de 2023, servindo sanduíches de almôndegas do Joey, personagem da série.
Além deles, os já conhecidos parques temáticos, continuarão no radar de estúdios como Warner Bros. e Universal. Eles já oferecem experiências como a imersão no parque temático do Harry Potter e a experiência interativa de horror baseada nos filmes clássicos da Universal , como “Frankenstein”.
O que criativos precisam considerar?
Decisões de marketing, mercado e posicionamento de grandes empresas precisam sair da bolha do achismo. Isso incluí ir além dos próprios círculos de conversa para interagir com as reais demandas sociais. As marcas precisam ter mais curiosidade e ouvir seus clientes, para conseguirem inovar no caminho que converge com as suas necessidades. Nesse caminho, as áreas de sustentabilidade ou ESG tem um papel fundamental, desde que estejam alinhadas às decisões de posicionamento de marca e não sejam apenas um braço segmentado na corporação.
Essa dificuldade de conectar o storytelling de forma coerente e constante é sinal de uma desconexão das lideranças com o posicionamento de branding dessas empresas. Além disso, aponta um baixo envolvimento dos colaboradores com o que de fato ressoa com o atual momento social e cultural das comunidades online.
O papel ocupado pelas marcas de dialogar com a população não é novo. Acontece, que nessa disputa pela atenção do cliente, a escuta efetiva é o único caminho para a eficácia.
Beijos da Be.