Se o único caminho para Inteligência Artificial é a expansão, cabe a nós humanos entendermos comportamentos irão garantir um futuro híbrido junto a tecnologia.
Ainda processando a enxurrada de conteúdos do SXSW, nesta semana vamos conversar sobre o tema que esteve presente na maioria das palestras, nos corredores e happy hours do evento: o avanço exponencial da Inteligência Artificial e suas consequências. Direta ou indiretamente, a IA esteve na boca dos palestrantes que falaram sobre marcas e marketing, cinema, música e temas relacionados à saúde mental. O destaque envolvendo o tema foi a “crise de solidão” e o fim das redes sociais. Afinal, tudo será influenciado pelo avanço da tecnologia e a grande questão é se seremos capazes de lidar com a Inteligência Artificial ou estamos vivenciando o início da extinção da nossa espécie?
A busca pela facilidade
Segundo o historiador e palestrante Yuval Harari, autor do best-seller “Homo Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, desde que começamos a nos organizar em cidades, a busca por desenvolver e aprimorar tecnologias que facilitam nossa curta passagem pela terra, guia os passos humanos. Quando nossos ancestrais descobriram o fogo e desenvolveram ferramentas para caça e proteção, até os avanços na medicina, eletricidade, veículos automotores, televisão e inteligência artificial, a motivação tem sido a mesma: encontrar maneiras de tornar nossas vidas mais fáceis, mais seguras e mais confortáveis, por fim, mais felizes.
Nesse sentido, inteligência artificial (IA) é, além de uma ferramenta para automatizar tarefas ou melhorar a eficiência, uma força capaz de alterar profundamente a estrutura da sociedade humana. Para Yuval, é nesse momento em que a IA não irá apenas replicar habilidades humanas, como contar histórias, mas passará a criar cultura por conta própria. E é aqui que mora o perigo. Entregar nossa habilidade de criar narrativas para uma Inteligência Artificial faz sentido? Até que ponto é saudável facilitar a vida humana quando se trata de terceirizar pensamentos e decisões?
Vamos correr junto a IA
De forma geral, e como já falamos por aqui outras vezes, não há como fugir. E se o ditado popular “Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come” estiver correto, parece que a solução será aprender a dominar o bicho humano. Esse é justamente o ponto de atenção trazido pela futurista Amy Webb em uma das palestras mais aclamadas do festival. Para Amy, a lógica de mercado que faz empresas saltarem de cabeça nas usabilidades da IA é perigosa. Como a tecnologia avança muito rápido e consegue aprender “por conta”, é mais difícil prever os erros, desafios e problemas.
Mesmo assim, nem ela, nem nenhum outro palestrante se mostrou contra a IA. A opinião geral é que não podemos terceirizar decisões, precisamos estar juntos eticamente a cada novidade, levantando todas as questões pertinentes (boas e ruins), para então tomar as decisões corretas em todos os âmbitos: governamental, regulatório, econômico e civil. Leah Johns, CEO do Future Lab, destacou a expansão de robôs movidos pela IA responsáveis por tarefas domésticas, mostrando que para os “defensores” da IA, motivos não faltam para se animar. O VP de produto da Open IA, Peter Deng, por exemplo, disse que sua motivação para continuar trabalhando é saber que estamos passando por um momento único em nossa história. Para ele, estamos desenvolvendo uma tecnologia capaz “de nos tornar mais humanos”, aumentando nosso tempo livre e tomando conta de tarefas não tão prazerosas. Mas será que uma vida guiada pelo prazer nos torna mais humanos? Será que abrir mão do nosso poder de decisão será realmente libertador?
Por negligência ou por incertezas mesmo, nenhum palestrante soube desenvolver com especificidade o que faremos em relação às crises que nos esperam. A extinção de postos de trabalho, o uso desenfreado de recursos do planeta (que já está pedindo socorro) ou a substituição de humanos pela IA nos postos criativos, são dúvidas ainda sem respostas.
Um mundo híbrido
Mesmo sem certezas, os caminhos sugeridos pelos criativos do SXSW pode ser resumido em alguns pontos:
- Responsabilização e comprometimento com ética e regulamentações eficazes por parte das próprias empresas;
- Atenção para o que os consumidores e o mercado espera da IA. Se tem alguém levantando uma reclamação sobre direitos de informação ou perigos para sociedade, é responsabilidade de quem desenvolve a tecnologia resolver;
- Deve ser esforço do coletivo olhar para as funções feitas por humanos e exaltá-las, implicando o uso para apoiar a criatividade humana.
Resumindo, em um futuro híbrido usaremos a IA como ferramenta de auxílio ao nosso trabalho e não como um protótipo de nós mesmos para resolver as tarefas chatas. Assim, é preciso lutar contra o impulso de nos vermos livres sem demanda de potência. Afinal, terceirizar a nossa própria inteligência vire moda, sobrará apenas o irracional em nós.
“Mastering others is strength. Mastering yourself is true power.” – Lao Tzu
Na prática, o conceito de ética e moral, longamente discutido pela humanidade, nunca foi tão urgente. Nos deparamos finalmente com uma tecnologia que facilitará tanto a sobrevivência humana que será, sim, capaz de nos substituir. O que faremos com ela ainda é uma incógnita.
Criatividade
No caso da criatividade, palestrantes do mercado criativo, audiovisual e da música, como Adobe e Canva, defenderam que a IA aumenta a régua da criação humana. Além disso, apoia processos que antes só poderiam ser feitos por uma grande equipe.
Seja com a infinidade de dados, possibilitando um conhecimento personalizado do consumidor ou usando as ferramentas para agilizar e aprimorar criações, os criadores precisam olhar para a Inteligência Artificial como uma aliada. Para a arte e marcas, ou o marketing de produtos e serviços, abre-se um mundo de possibilidades de interação. As experiências imersivas são a promessa de trazer as comunidades para o mundo real com novidades tecnológicas que prometem bagunçar as emoções humanas.
Contudo, ainda que marcas estejam dispostas a explorar a IA, em seus acordos com as agências, o movimento para controle já se faz presente. Segundo reportagem do Meio Mensagem, agências independentes declaram que os últimos contratos fechados, todos tinham cláusulas limitando o uso da IA, a menos que fossem explicitamente descritas e aprovadas previamente. A reportagem ainda ressalta o quanto essa “limitação” vai contra a movimentação das agências de aprimorarem e exaltarem seus conhecimentos envolvendo IA.
Em um dos exemplos citados na reportagem, o novo comercial da marca Under Armour está sendo posto em cheque, pois utilizou IA generativa para criar novos visuais e narrações do boxeador Anthony Joshua, sem filmar nenhuma nova imagem.
Falando em gravação, no caso do audiovisual o CTO da Paramount, representando os grandes estúdios, demonstrou que o mercado caminha para ampliar cada vez mais o uso da IA em produções, traduções e o que for possível, ressaltando que as ferramentas são para servirem o time e nunca o contrário. Ou seja, mais uma vez, facilitar nossa rotina e liberar espaço para mentes criativas, criarem.
A crise da solidão
A angústia da vida na hipermodernidade, termo criado pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky para delimitar o momento atual da sociedade em referência a uma exacerbação dos valores criados na modernidade, nos levaram “a crise da solidão”. Esse foi outro tema muito comentado no festival e pode nos trazer algumas respostas sobre as saídas para coexistir com a IA.
A discussão mostra que existe espaço e principalmente demanda para que humanos se destaquem em relação à inteligência artificial. Afinal, quando o assunto é felicidade, o estudo de Harvard sobre o tema defende que ela mora nas relações construídas com a nossa dedicação ao longo do tempo. Ou seja, “A resposta está em nós!”
Nesse sentido, a proposta é utilizar os meios online como ponte para levar nossas relações para o mundo real e fortalecer comunidades. Visto que os benefícios da conectividade são reais, é esperado que humanos usufruem dessas ferramentas para impulsionar as conexões profundas ao invés de entrar na lógica do algoritmo que favorece relacionamentos perfeitos e rasos. Aqui, também enfatizamos a responsabilidade das plataformas de redes sociais em criar um ambiente favorável para essas interações e menos tóxico para seus usuários. O fim das redes como conhecemos está próximo, e muito disso, devemos ao consumidor que exige um espaço mais proveitoso.
A resposta está em nós
Voltando a Yuval Harari, se já como caçadores coletores, em busca de comodidade e por segurança alimentar, criamos a agricultura e como consequência, nos organizamos em cidades, parece que além de vantagens para sobrevivência também surgiram os desafios. Assim, essa busca incessante por mais conforto, segurança e facilidades, frente a uma tecnologia tão potente, nos coloca em risco de substituição iminente.
É necessário um esforço coletivo, onde grandes empresas assumam as responsabilidades sobre o desenvolvimento das tecnologias, governos cumpram o papel de regulamentação e nós, individualmente, façamos o esforço de controlarmos os nossos impulsos. Ao escolhermos a forma e quais ferramentas farão parte do nosso processo criativo, da nossa rotina doméstica e profissional, da atenção dada à criação dos nossos filhos e como nos dedicamos a relações reais, tomando a responsabilidade sobre o que está em nosso controle, usando a própria inteligência, definiremos o que da nossa humanidade não abriremos mão.
Beijos da Be.