Descubra como marcas e campanhas estão, por meio da desconstrução masculina, contribuindo para a reflexão da nova paternidade, a sensibilidade masculina e os desafios nos relacionamentos modernos.
O tema desconstrução masculina, já chegou em muitas rodas de conversa. Mas, se nem o feminino é compreendido por muitos, é de se esperar que definir o que devemos desconstruir no masculino ainda é uma área cinzenta que gera muito desconforto, polêmica e audiência, e é aí que o marketing entra. .
As reflexões de hoje pretendem nos levar para um espaço de construção. Num mundo onde os papéis de gênero não encontram mais definições claras, homens e mulheres se propõem a juntos, dialogar e encontrar alternativas para bons encontros. Para esta reflexão, o marketing e as marcas se apresentam como interlocutores e ensaiam universos onde há esperança de mudança.
1. A nova paternidade
As campanhas de dia dos pais já estão por toda parte e são uma oportunidade para que marcas considerem abordar temas como a desconstrução da masculinidade, aproveitando para chamar atenção da importância da figura masculina na criação dos filhos.
Como uma extensão da cultura em que cresceram, antigamente homens tinham o papel muito bem definido na dinâmica familiar, trabalhar para sustentar a família. Desta forma, fomos ensinados a valorizar o pai que não tem muito tempo para compartilhar afeto com seus filhos ou vivenciar a rotina de uma criança. Sendo estas, responsabilidade da mãe.
Contudo, as ausências da paternidade no lar e os papéis divididos entre mães e pais, estão sendo revistos. Isso porque, mulheres não querem mais abrir mão de suas atividades profissionais e exigem maior participação de seus parceiros e uma divisão de tarefas mais equitativa entre os responsáveis.
Assim, com a nova paternidade, homens aprendem a lidar com seus sentimentos diante das crianças e apesar de terem sido ensinados que “homem não chora”, precisam encontrar maneiras de amadurecer emocionalmente e exercer uma paternidade mais ativa e responsável. Mesmo assim, a barreira masculina quando o assunto é expressar os sentimentos ainda é grande. Segundo reportagem da revista GQ 80% dos homens brasileiros nunca fizeram terapia, o que indica uma resistência dos homens para falar e refletir sobre suas ações, escolhas e sentimentos.
A Natura abordou o tema em sua campanha de dia dos pais, ressaltando a figura paterna como a primeira influência dos filhos. A peça exalta o diálogo e incentiva uma paternidade que compartilhe os sentimentos.
2. O equilíbrio entre desconstrução masculina e se tornar homem
Se o feminismo chamou os homens para debater a desconstrução masculina, agora é hora deles contribuírem ativamente para a evolução do debate. Isso porque, a construção da nova masculinidade baseada em teorias feministas modernas dificulta que homens externem características naturais a biologia deles se tornando apenas um espelho do feminino. Por outro lado, é necessário questionar sobre o que de fato é a biologia e o que são apenas crenças sociais. Assim, a construção acontece a partir de um olhar próprio, mais autônomo.
Camille Paglia é feminista e professora da Universidade de Arts da Philadelphia e debate o lugar do feminismo moderno. Em entrevista para Folha de S. Paulo pontuou que a atual corrente feminista, que quer determinar como os homens devem se comunicar, não aceita que diferenças biológicas existem. “Essas mulheres querem se casar com um homem com quem seja fácil se comunicar. E fora do ambiente de trabalho, qualquer homem que se comporte como homem provoca reações negativas.”
Como estimular a sensibilidade no homem hétero ainda é uma pauta em construção, o audiovisual tem se mostrado ativo para colaborar com o debate. Os heróis de filmes, por exemplo, que sempre desempenharam um papel altamente estereotipado nas telas, exaltando um homem forte e invencível, dão lugar a prensagens com mais camadas além da força física.
A série Falcão e o Soldado Invernal da Marvel é um exemplo de desconstrução masculina. Ela explora os traumas e desafios do herói, trazendo o debate da saúde mental pelos olhos do personagem Bucky Barnes. Malcolm Spellman, criador da série, coloca as vulnerabilidades de Bucky após 100 anos de luta, sua crise de identidade para se adaptar à nova realidade e promove a reflexão de que é possível demonstrar sensibilidade sem perder características masculinas.
3. Relacionamento moderno ou a fuga deles
A princípio, os aplicativos de relacionamento se mostravam a salvação para que casais encontrassem o macth perfeito. Porém, a quantidade de pessoas em aplicativos de relacionamento com dificuldade de encontrar parceiros é cada vez maior. Em 2022, 61% dos usuários do aplicativo Hinge se disseram cansados e sobrecarregados com o processo de namoro online.
A outra face do aplicativo é justamente o aspecto estético . O primeiro critério de escolha em um app de relacionamento é a beleza estética, enraizada em um padrão estereotipado mundial. Em segundo lugar vem a análise dos lugares, roupas e estilo das fotos. Segundo a análise “A economia desigual do Tinder” do professor da FGV Samy Dana, 80% dos homens dão likes em 22% das mulheres, as mais bonitas. Do mesmo modo, 80% das mulheres que dão likes em 20% dos homens, os mais bonitos.
Para os psicólogos está claro que os aplicativos online não permitem a variedade de conexões que um encontro ao vivo oferece. Como, expressão corporal, facial, entonação de voz, olho no olho, que aumentam a chance de conexão emocional genuína. Além disso, um estudo da American Psychological Association de 2016 apontou que pessoas que usam aplicativos de paquera tem uma autoestima menor quando comparada as que não usam.
Para o especialista em marketing Scott Galloway, a masculinidade tóxica esta diretamente ligada a esse novo cenário de relacionamento. Ele argumenta que aplicativos de paquera estão produzindo mais homens frustrados, que não se encaixam no padrão de beleza escolhido por 20% das mulheres. Scott vai mais longe e pontua ainda que esses homens têm o mesmo perfil de homens responsáveis pelos ataques a tiros em escolas e lugares públicos, tão comuns nos EUA.
4. O Heteropessimismo
Em meio a tantas transformações, sentimento de decepção e desencontros entre os relacionamentos héteros, cresce principalmente entre as mulheres o heteropessimismo. O termo é uma evolução da frase de que “homem é tudo igual” e ao generalizar o homem hétero não colabora para ampliação da conversa.
Se, de um lado, temos homens mais conscientes sobre assédio, diálogo, liberdade feminina e igualdade de direitos. Do outro lado, uma quantidade crescente de homens não se sente à vontade para flertar com uma mulher. Seja por receio de cometer assédio ou ser taxado de macho escroto pela primeira vírgula fora do lugar.
Simultaneamente, a queda na quantidade de sexo entre os jovens pode ser um reflexo dessa hostilidade. Um estudo publicado no Jornal O Tempo, mostrou que o número de homens entre 18 a 24 anos, que declarou não ter tido relação sexual nos últimos 12 meses, aumentou 11% de 2002 para 2020. O que significa que 31% dos homens entrevistados não fizeram sexo no último ano.
Isso mostra o quanto generalizar a masculinidade como tóxica pode estar tomando um rumo que não é favorável para nenhum dos sexos.
O filme da Barbie encontra no humor uma forma de abordar o heteropessimismo e a desconstrução masculina. Gretta Geriwing, diretora e roteirista, desenhou uma sátira da nossa realidade, retratando no filme um mundo heteropessimista, com inúmeras situações tóxicas de fácil assimilação (chamando heteros de ambos os gêneros para a conversa) e finaliza com a importância do desenvolvimento emocional de cada um para que encontros mais maduros, baseados em afinidades reais sejam possíveis.
Mas é o marketing?
Um cenário desafiador e cheio de camadas como esse abre espaço para a produção de narrativas de transformação necessárias. É nessa hora que campanhas de marketing se atentam para a possibilidade de se aliar a mais um diálogo social de extrema importância sem estarem necessariamente preparadas para tal discurso.
Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, a nova masculinidade deve transformar homens em meninos jovens e confusos, sem muita informação sobre como lidar com mulheres. Ele defende que precisamos cuidar com a ideia de reformar o velho homem por meio de teorias que saem das universidades, seguindo produções acadêmicas. Muitos jornalistas e publicitários saem da faculdade supondo que sabem o caminho para reconstruir antigas estruturas sociais. Porém, se esquecem que mudanças sociais são processos orgânicos, lentos e não no tempo da ansiedade de uma geração. “Quando, na verdade, essa construção é um processo conjunto.”, ressalta Pondé em seu programa Linhas Cruzadas na TV Cultura.
Além disso, Pondé acredita que na medida que pressionamos os homens para pensar neles mesmos, o resultado é de homens que tomam decisões mais pensadas sobre o que eles valorizam. Isso, na opinião do filósofo, pode levar a homens que não estão tão dispostos a estar com uma parceira para viver uma guerra social diária. E em última escala, o efeito mais catastrófico dessa guerra são os movimentos de homens como “red pill”.
“Se o homem um dia não pensar só em mulher, as mulheres não vão saber o que fazer com eles”
Luiz Felipe Pondé
Movimento #metoo
Em 2019 a Gillete fez uma campanha inspirada no movimento #metoo para falar sobre o tema. Em um tom emocionante, a marca constrói um storytelling com cortes da nossa história recente, que demonstram posturas masculinas que precisam mudar e as que já estão em transformação. A publicidade busca criar conexões entre produtos e novas identidades masculinas, incentivando a reflexão sobre a masculinidade tóxica.
No entanto, um artigo da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação publicado na Revista Iniciacom – Vol. 9, N. 2 (2020), que aborda o uso do discurso da “masculinidade tóxica” no mercado publicitário, ressaltou a importância de considerar que a liberdade associada ao consumo pode ser mascarada, pois as “opções oferecidas pelo mercado já vêm carregadas de significados preestabelecidos.”
Desconstrução masculina é diálogo
Ao que parece, os homens já entenderam que vivemos em uma estrutura patriarcal e não se pode afirmar, como fazem algumas correntes feministas, que manter essa guerra seja a intenção deles. Em nossas pesquisas, descobrimos que quase por unanimidade, quem produz conhecimento sobre o homem hétero, são mulheres. O que não é muita novidade, pois conhecer parte do universo masculino sempre foi uma maneira de abrirmos um diálogo com o sexo oposto.
Talvez a saída inclua que os próprios homens também se sintam à vontade para descobrir e estudar o feminino e sua trajetória até aqui, se permitir mergulhar no universo da mulher, sem medo de “ser coisa de mulherzinha”. Nesse sentido, o marketing tem um campo fértil para explorar esse novo viés e trazer para sociedade a conversa.
Beijos da Be.