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Mulheres empreendedoras e a economia do cuidado

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Como a economia do cuidado, uma herança ancestral, pode virar diferencial competitivo para mulheres empreendedoras e lideres

Tema da redação do ENEM deste ano(2023) a “economia do cuidado” contempla o trabalho desempenhado por pessoas que se dedicam às necessidades de outras. No Brasil, 90% desse trabalho é feito pelas famílias, sendo 85% por mulheres. Ou seja, elas educam, alimentam, cozinham, lavam, dão apoio psicológico e emocional para crianças e adultos com quem convivem. O resultado é que a mulher empreendedora do lar, dedica até 25 horas por semana para afazeres domésticos não remunerados. Segundo a Forbes, esse trabalho “invisível” teria contribuído com US$ 10,9 trilhões na economia global em 2020, caso essas mulheres recebessem um salário mínimo por essas tarefas. 

A origem dessa concepção que coloca as mulheres responsáveis pelo cuidado é herança da ideia em que nas sociedades primitivas homens seriam responsáveis pela caça, enquanto mulheres se encarregavam de preparar os alimentos e cuidar das crianças. Porém, já existem estudos que buscam refutar essas certezas, como o publicado pela revista Galileu, apontando que em 79% dos grupos de sociedades analisados nos últimos 100 anos mulheres também caçavam.

Mesmo assim, parte dessa conjuntura social se perpetua na ideia de que, como homens colaboram com mais recursos financeiros, mulheres precisam “compensar” com serviços domésticos. Esse pensamento, por si só, já está fundamentado em uma consequência da desigualdade de gênero. Segundo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os homens recebem salários 22% maiores que as mulheres. Mesmo na Islândia, país líder em números de igualdade de gênero, a disparidade de remuneração persiste. O que motivou mulheres a realizarem uma paralisação de 24 horas em 23 de outubro(2023) em prol da igualdade salarial.

Cartas para minha avó de Djamilla Ribeiro

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Uma das intelectuais brasileiras referência nesse debate é Djamilla Ribeiro. No livro cartas para minha avó, a filósofa exalta o trabalho de cuidado que recebeu da mãe e da avó durante seu crescimento, fundamental para o desenvolvimento social e intelectual em sua carreira. 

“Meu pai tem sido reverenciado como responsável pela minha educação – o que é merecido -, mas quem lavou as minhas roupas, passou meu uniforme, cozinhou minha comida também merece igual reconhecimento. No caso, minha mãe ainda me ensinou a andar de cabeça erguida.”  –

Djamilla Ribeiro em sua conta do Instagram

Nascida em Santos, litoral de São Paulo, Djamilla cresceu ouvindo dos pais que precisava estudar para não trabalhar como empregada doméstica, como a mãe. Aos 24 anos se tornou mãe, o que adiou os planos de formação acadêmica. Três anos depois, em 2008, entrou para o curso de filosofia da UNIFESP e teve que lidar com a culpa de abdicar do cuidado integral com a filha, ainda com três anos.

Hoje, Djamila é uma das intelectuais brasileiras referência ao debater a economia do cuidado. Mas, para chegar até aqui, ela ressalta que o conhecimento da academia foi importante, mas observar e valorizar a sabedoria do cuidado da avó e da mãe foi crucial para seu desenvolvimento e reconhecimento do valor do aprendizado ancestral.

Como já comentamos por aqui outras vezes, levantar a bandeira de alguma pauta envolvendo justiça social é pré-requisito para qualquer marca que deseja se manter relevante no mercado.

Porém, mais importante do que falar sobre é garantir que o produto ou serviço tem lugar de fala na discussão. Nesse sentido, as marcas que incitam reflexões sobre a desigualdade de gênero perpetuada pela economia do cuidado tem transformado o tom de voz de suas campanhas. 

A Omo, por exemplo, que leva no nome o apelo ao público feminino “Velha mãe coruja” em inglês “Old Mother Owl” faz jus ao lugar de ser uma das marcas mais lembradas pelos brasileiros. Assim, a empresa está ligada nas mudanças e suas campanhas tem se adequado a narrativas que prezam por falar com mulheres fugindo de estereótipos sexistas.


1. OMO

Em 2020 OMO transformou sua logo em sOMOs em prol da coletividade ao promover o cuidado com a lavagem de roupas. O resultado é uma campanha que com um tom motivador, responsabiliza igualmente homens e mulheres com os cuidados domésticos.

2. Brastemp

Já a Brastemp apostou em uma narrativa mais irônica para chamar atenção de maridos, filhos e irmãos, enquanto fala das funcionalidades do novo modelo de máquina de lavar. O painel diferenciado da marca “funciona com todos”. 

3. Ariel

Simultaneamente, a marca de sabão em pó Ariel também encontrou jeito de falar sobre o tema sem nem mesmo mencionar o produto. Durante a narrativa fica subentendido a disparidade quando o assunto é servir e cuidar e o cesto de roupas sujas, que acompanha as cenas no decorrer da história, se mostra como oportunidade para transformar essa realidade, junto a Ariel.

4. Chevrolet

Mesmo a Chevrolet, uma marca relacionada majoritariamente a homens, encontrou uma forma de colaborar com o debate ao sugerir uma reflexão sobre o insulto “vai pilotar um fogão”.

https://www.youtube.com/watch?v=4GnMxbIjRH8&t=59s

Liderança feminina e a gentileza

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Uma das heranças, talvez ancestral, mas também social do estereótipo de cuidado feminino é a gentileza. Essa qualidade que define uma ação nobre e amável é uma característica comum a lideranças femininas. 

Segundo artigo Ways Women Lead (Formas que as mulheres lideram) da Judy B. Rosener para Harvard, mulheres estão aproveitando o que é único em sua socialização como mulheres para criar um caminho diferente para o topo. Simultaneamente, elas se apoiam em características geralmente consideradas “femininas” e inadequadas em líderes, para se destacar na gestão.

As mulheres entrevistadas pelo estudo descreveram-se como líderes “transformacionais”. Eles atribuem seu poder a características pessoais como carisma, habilidades interpessoais, trabalho árduo ou contatos pessoais. Ou seja, esse tipo de liderança, chamada de “interativa”, tem a inclusão como fio condutor e impulsiona a transformação pessoal e emocional do colaborador. Acompanhe as características que sustentam esse tipo de liderança, segundo o artigo.

Incentivam a participação

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As líderes mulheres adotam uma abordagem inclusiva, incentivando seus colaboradores a participar ativamente nas decisões e nas operações da organização. Por meio de mecanismos e fóruns, elas acreditam que as pessoas executam melhor quando percebem na oportunidade de contribuir uma forma de se envolver, se sentir parte do processo.

Partilham poder e informação

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As líderes mulheres não veem o poder e a informação como recursos a serem guardados, mas sim compartilhados. Elas são transparentes em suas decisões e compartilham informações relevantes com seus colaboradores, o que cria confiança e lealdade. Esse empoderamento envolve ouvir ativamente as opiniões e perspectivas de seus colaboradores e agir com base nesse feedback.

Melhoram a autoestima das outras pessoas

As líderes mulheres reconhecem a importância de elevar a autoestima de seus colaboradores. Elas elogiam e dão crédito aos outros pelo bom trabalho, compartilham o sucesso e evitam ações que estabeleçam uma hierarquia rígida. Utilizando um tom de voz divertido, as líderes infundem entusiasmo e paixão em suas equipes, tornando o trabalho um desafio emocionante. Esse entusiasmo contagiante ajuda a motivar seus colaboradores.

Tudo isso junto contribui para autoestima do funcionário que se sente poderoso e importante, o que é uma situação vantajosa para todos. 

Herança maldita?

Não há certezas quando o assunto é a origem das disparidades de gênero, diferenças genéticas, hormonais e herança ancestral que determine o papel de homens e mulheres na sociedade.

Seja como for, tudo isso resultou em mulheres que cuidam e mesmo com a obrigação social de olhar pelo próximo, o fazem com amor. No trato social com colegas de trabalho ou em família, são gentis ao solidificar as bases de crescimento daqueles que estão ao seu redor. 

Essa gentileza de exaltar o lado positivo do mundo e olhar para as pessoas com empatia e compaixão é um dos pilares para a partir da transformação pessoal construir uma sociedade mais gentil e por isso, deveria deixar de ser um adjetivo ou substantivo que se refere a gênero para se referir a qualidade humana nobre, presente em todos e admirada universalmente.  

Beijos da Be.

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