Explore o storytelling por trás da referência, da construção do termo “It girl” na história e dos significados atuais.
A palavra “it” é um pronome coringa na língua inglesa. Quem aprende o idioma não tem dúvida ao considerar e desejar que existisse algo parecido no português. Isso porque ela funciona para mencionar e fazer referência ao que é irresistível. Da mesma forma acontece com uma “it girl”. Essas mulheres carismáticas, descoladas, sexys e com magnetismo natural conquistam o público e podem ser usadas por marcas como coringa para se encaixar no mosaico cultural da sociedade moderna.
Mas ainda que as características acima sejam a personificação de uma “It girl”, nos dias de hoje o status é objeto de desejo e se tornou um produto a ser criado e consumido. Será mesmo? Vamos mergulhar no universo das it girls para entender se de fato este é um atributo passível de ser “comprado”.
A evolução da representação de uma “It girl”?
A primeira “It girl” da história nasceu em 1905 no Brooklin, um dos bairros mais pobres de Nova York, na época. Clara Bow venceu a condição precária em que vivia, se tornou atriz, e em 1927 a Paramount convidou Clara para protagonizar o filme “It” (O “Je ne sais quoi” francês ou o “Borogodô” brasileiro). A personagem de Clara era praticamente uma personificação dela própria. Ela trazia uma mistura encantadora de beleza, personalidade e a autenticidade necessária para conquistar o público pela correlação com a realidade, isso porque uma “It Girl” desperta naturalmente o interesse pela sua intimidade e por tudo que faz parte do seu universo.
Desde então, outras mulheres que dispunham dessa combinação de atributos irresistíveis, ocuparam o posto de “It Girl”. Brigitte Bardot, Audrey Hepburn, Jane Birkin, Bianca Jagger, Jackie O, Madonna, Kate Moss, Paris Hilton, Olivia Palermo, Kim Kardashian e Zendaya são algumas das mulheres que exaltam esse magnetismo espontâneo.
As “It girls” no Brasil
No Brasil, a história das “It Girls” se mistura ao surgimento dos blogs de moda no início dos anos 2000 onde muitas meninas descoladas como Julia Petit (Petiscos), Camila Coutinho (Garotas Estúpidas), Lala Rudge entre outras, faziam uma curadoria do que gostavam de consumir.
Mas, o que já foi o reflexo de valores e personalidade da vida dessas mulheres, reconhecidas naturalmente por uma bolha social, hoje em dia, é um trabalho intencional e uma “It Girl” ou “Influencer” é construída por várias mãos em agências de Relações Públicas mundo afora. “Sim, cada vez mais é possível produzir tudo: virais, celebridades, relevâncias. Mas qual o custo – além das cifras financeiras – para este pertencimento irreal?” afirma Ale Garattoni dona do saudoso blog, It Girls e do livro de mesmo nome. Em seu antigo blog, Ale Garattoni dividia o que era preciso para se tornar uma “it girl” nos anos 2000: confiar no seu instinto, investir na feminilidade e encontrar um mentor para aprimorar o visual.
Confira a linha do tempo das “It girls”
Clara Bow (1920)
Encantava pela representação da independência por meio do seu trabalho e empoderamento na sensualidade feminina através da persona das melindrosas.
“QUERO SER CONHECIDA COMO UMA ATRIZ SÉRIA, NÃO COMO UMA ‘IT GIRL.”
Clara Bow
Brigitte Bardot (1950)
Lançou moda, literalmente. Praticante de balé, popularizou o uso das sapatilhas no dia a dia e o estilo de “decote bardot” leva seu nome, graças à apropriação feita por ela.
“A moda pode não ser uma arma da mulher, mas pelo menos lhe dá munição.“
Brigitte Bardot
Marilyn Monroe (1960)
O olhar sensual e o sorriso largo com poses provocantes ultrapassaram décadas e até hoje homens e mulheres consideram Marilyn como símbolo sexy.
“O que eu visto para dormir? Ora, Chanel nº 5, é claro.”
Marilyn Monroe
Grace Jones (1970)
Modelo e dona de um estilo único, se destacava pela estética futurista e o cabelo afro cortado “na régua”. Seus looks despertavam curiosidade, pois as combinações cheias de personalidade também englobavam história e apelo social.
“Acredito na individualidade, que todos são especiais, e cabe a eles encontrar essa qualidade e deixá-la viver.“
Grace Jones
Princesa Diana (1980)
Sinônimo de elegância, sofisticação e simplicidade, Diana foi a primeira princesa pop. Ela conquistou o mundo com sua espontaneidade e sensibilidade.
“Não sou uma figura política, sou uma figura humanitária, sempre fui, sempre serei.”
Princesa Diana
Naomi Campbell (1990)
Uma das maiores modelos de todos os tempos, Naomi abriu as portas para mulheres negras no mundo da moda. Elegante, bem humorada e autoconfiante, ela rouba a cena por onde passa não só pela beleza, mas por exaltar valores de integridade e autenticidade. Assim, segue um ícone, inclusive para gerações mais novas.
“Não acho que nasci bonita. Eu só acho que nasci eu.“
Naomi Campbell
Paris Hilton (2000)
Reconhecida por ostentar riqueza e luxo, materializou a estética das patricinhas do novo milênio. Sem restrição para as câmeras, usou e abusou da fama e se consolidou como referência de moda pelo dinheiro que já tinha.
“A única regra é não ser chato e se vestir bem onde quer que você vá. A vida é muito curta para ser só mais um.”
Paris Hilton
Kim Kardashian (2010)
Estourou no reality show Keeping Up with the Kardashians e assim como a Paris, surfou a onda da fama pela ostentação de luxo, números altos e polêmicas. Segue até hoje impulsionando marcas tendências de moda, estilo de vida e maquiagem.
“Eu sou uma empreendedora. ‘Ambição’ é meu nome do meio”
Kim Kardashian
Zendaya (2020)
Conquista os holofotes pelos seus looks belíssimos e mantém uma persona bem construída nas redes sociais, focando sua narrativa principalmente em sua carreira de atriz. Além disso, sempre que necessário se posiciona politicamente sobre pautas sociais.
“Vamos praticar a motivação e o amor, não a discriminação e o ódio. “
Zendaya
A fábrica de it girls – como as redes sociais modificaram o conceito
Ainda que a fábrica de sucesso das “It girls” esteja a todo vapor, não podemos confundir fama com o sentido inicial do termo. A “it girl” é muito maior que apenas a sua imagem, ela é um conceito carregado de valores que instigam nossa curiosidade por se destacarem da maioria. Elas sobressaem pela elegância de apenas ser, muitas vezes no “silêncio”, pois não precisam “gritar”.
Hoje, muitas “influencers” trabalham suas marcas intencionalmente, vendendo atributos de “it girls”, moldadas por uma equipe de profissionais capazes de produzir fortunas com suas audiências. No Brasil, por exemplo, vimos a Thassia Naves, Silvia Braz e, Marina Ruy Barbosa entre muitas outras seguirem esse caminho.
Assim, se antes apenas um irresistível carisma, uma carreira bem sucedida e frequentar os lugares certos bastava, hoje, existe uma fórmula rebuscada na tentativa de se tornar uma “It girl” bem sucedida.
Confira algumas dicas da Be. que podem ajudar na construção da sua própria “It” brand
1. Observe, observe, observe
Não importa onde você esteja, preste atenção aos acontecimentos ao seu redor e que fazem os seus olhos brilhar. Para garantir a diferenciação de uma “It girl” nada melhor do que identificar tendências onde a maioria só vê rotina. Anote tudo que se destaca aos seus olhos, desde looks, frases, arte, cultura, cores e até conversas. Não fique na superfície, aprofunde seu conhecimento a respeito.Compare as informações e encontre o que há em comum, é aí onde mora sua história no meio desses acasos. A curiosidade de ir em busca do que alimenta sua alma lhe dará bases para externar escolhas materiais que sobressaem ao comum.
Exemplo: Uma das poucas mulheres patrocinadas pela Channel no Brasil, Johanna Stein leva um estilo de vida discreto e longe dos holofotes, porém ainda assim motivo de desejo e referência. Dona da Gato sem Rabo, livraria que privilegia obras de mulheres, pessoas trans e travestis, Johanna aposta na literatura como ferramenta de transformação. Suas redes compartilham uma aesthetic impecável com inspirações de todo tipo. Resultado de uma curadoria pessoal, sua conta no Instagram tem imagens e frases belíssimas e profundas.
2. Além do que se vê
Outra estratégia se dá em relação ao mistério que envolve a personalidade de uma “It girl” , jpa que nada deve ser tão óbvio ou altamente exposto. Por isso, você precisa evocar na sua audiência aquela vontade de descobrir o que está nas entrelinhas da sua personalidade, coisas que no geral as pessoas não têm acesso. Assim, é necessário equilibrar a apresentação deliberada nas redes sociais com a necessidade de preservar certos aspectos de suas vidas.
Com a acensão do movimento “quit luxury”, mais celebridades aproveitaram o bonde para aderir uma postura confiante o suficiente para ser um pouco mais discretas e ainda assim, serem percebida.
Exemplo: A Costanza Pascolato é empresária, consultora e colunista de moda e reconhecida pela sua elegância discreta e sofisticada. Em suas declarações defende que classe se sustenta em conforto e simplicidade, conceito materializado em sua coleção de joias “clássicas” com a Hstern. Não a toa, Costanza foi escolhida para ilustrar a capa do “Invogue”, primeiro livro da revista vogue que homenageia 52 mulheres que se destacaram na moda brasileira.
3. Branding
Ter consciência da sua marca e do que ela representa lhe ajuda a torná-la rentável e fiel a seus valores. Nesse momento é fundamental construir uma estratégia de branding fundamentada no autoconhecimento da “It girl”.
Esse trabalho requer planejamento a longo prazo e as ações pensadas para se apoiar em constância e coerência. A combinação dessas duas características irá garantir que a história contada se baseia em autenticidade e que qualquer passo será dado com a consistência devida.
Exemplo: A Julia Petit por exemplo, criou uma das marcas de cosméticos vegana mais reconhecida do mercado. A Sallve se destaca pelo marketing de conteúdo com alto valor para sua comunidade. Com uma linguagem acessível, as embaixadoras da marca seguem a humanização proposta e sustentada pelo tom de voz que a própria Julia usava em sua época de blogueira. Julia também apostou no relançamento da marca Contém 1g, celebrada nos anos 2000 e carregada de atributos que personifica a própria empresária.
4. Causas sociais
Não há como fugir, qualquer garota (ou ser humano) legal atualmente se preocupa com sustentabilidade e justiça social. Por isso, o direcionamento escolhido para abordar essas questões irá moldar também o tom de voz e as estratégias escolhidas.
Exemplo: A Gisele Bündchen direciona sua narrativa em suas redes e em entrevistas para mensagens de amor, conexão espiritual e alto astral. Sempre coerente com seus valores de positividade, se posiciona sobre temas sociais ou políticos com mensagens gentis de compaixão. Além disso, mantém a coerência e não dá palco quando o assunto é sua vida pessoal.
5. “It takes a village”
Elaborar a marca de uma “It Girl” é um trabalho multidisciplinar, que se apoia em uma equipe diversa. Publicitários, relações-públicas, produtores de moda, maquiadores e assessores de imprensa são os responsáveis por garantir a coerência da história contada e sua estética, baseadas nos valores e na autenticidade da marca pessoal em questão.O resultado é a expansão da comunidade da “It girl” e a afirmação de que ela se manterá relevante diante das diversas garotas tentando se destacar.
A Bruna Marquezine, por exemplo, durante sua transição de criança para vida adulta, se apoiou em uma assessoria empresarial robusta. A artista já mencionou em diversos podcasts como o trabalho feito pela Juliana Montesanti da Coolab Digital foi essencial para ascensão de sua carreira junto ao mundo da moda e o reconhecimento internacional de marcas importantes, que mais tarde abriram caminho para sua carreira em Hollywood.
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Seja
Analisando algumas das “It girls” da história, é possível deduzir que assim como foi com a pioneira, Clara Bow, é necessário ser antes de parecer. O que fazia de Clara essa explosão de encantamento era a autenticidade que sustentava sua postura. Com uma história de coragem e muita luta para ser reconhecida pelo seu trabalho, em primeiro lugar, a beleza estética de Clara era a materialização de seus valores e apenas a cereja desse bolo.
Quando olhamos para as referências brasileiras que se mantêm durante anos ocupando lugar de influência nos holofotes, também percebemos qualidades comuns às de Clara. Julia Petit, Johanna Stein, Costanza Pascolato, Gisele Bündchen e Bruna Marquezine, são mulheres que produzem arte, conteúdo ou entretenimento pela relevância e potencial de transformação do trabalho. Elas colocam propósito em suas carreiras e não vendem sua intimidade para lacrar. Ao contrário, respeitam seus valores e valorizam a discrição com a vida pessoal ainda que estejam envolvidas em escândalos mundiais.
Com a chegada da globalização e da internet, os atributos que constroem uma “It girl” ganham novas roupagens e se perderam aos poucos. A partir de Kim Kardashian, observar a vida dessas mulheres deixou de ser um comportamento aspiracional para se tornar mais um meio de fama para venda, o que banalizou o termo.
Se na época de Clara Bow, um “que” de mistério e discrição sobre a vida íntima não só alavancava o sucesso, mas também preservava valores dessas mulheres, nas redes, a superexposição passou a ser a estratégia da vez, o que afasta também o “It” da “girl”.
Beijos da Be.