Como a estética que nasceu para contemplar definições ligadas a arte se tornou na publicidade um meio para compartilhar padrões estéticos e em prol de um mercado que lucra em cima de padrões de beleza inalcançáveis.
Se hoje os padrões estéticos são muitas vezes ligados à futilidade, no passado, o termo estética foi criado para definir a Filosofia da Arte. No século XVIII, Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1831) usou pela primeira vez a palavra de origem grega (aisthesis) que significa “apreensão pelos sentidos”, “percepção”. Antes de Baumgarten, Platão e Sócrates já haviam qualificado o “belo” como algo ligado a ação humana(inteligência e bondade), depois deles, Hegel, Kant, Nietzsche e outros pensadores elaboraram definições sobre a estética das artes seguindo a premissa de Baumgarten. Conectando, assim, o conceito estética, beleza e arte a subjetividade humana de sentir e perceber o que lhe é sensível.
Nesse contexto, no final do século XIX os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer elaboram o conceito de indústria cultural. Em que a arte rompe com a ideia da beleza subjetiva a um indivíduo. Assim, ela se define por tudo aquilo que produz transgressão e apresenta uma estética e percepção voltada ao consumo para um grupo. Então, chegamos aos dias de hoje com a definição “mais comum” para arte como algo que é essencialmente a expressão da subjetividade humana, social de um tempo e espaço ou cultura.
Mas, ao que parece, quando aplicada para nossos corpos, a estética continua seguindo um comportamento renascentista de padrões estéticos, replicado na publicidade. A popularização da harmonização facial, por exemplo, valoriza proporções perfeitas da nossa imagem, baseado em conceitos matemáticos sobre beleza, rosto e corpo. Para finalizar, peças publicitárias, produções audiovisuais e desfiles de moda repetem ano a ano esses padrões. E assim, nos aprisionando a identificar em imagens irreais o que seria o “belo” universal.
Padrões estéticos, a beleza feminina e a publicidade
Mulheres, particularmente, crescem com uma ligação deturpada quando o assunto é estética. Além de precisarem se preocupar com a aparência que vão apresentar para o mundo, são ensinadas a diminuírem outras mulheres em busca da atenção masculina.
Madonna Badger trabalha com marketing há mais de 30 anos, já trabalhou em grifes como Calvin Klein e em suas palestras sobre o tema ressalta que parte do problema é fruto da publicidade que replica padrões estéticos cunhados em valores machistas.
Ainda que o cenário esteja melhor do que era nos anos 60, quando só era mulher quem era dona de casa, a objetificação continua presente. Mesmo apresentando mulheres em diferentes contextos sociais, o estudo Women as Sex Objects and Victims in Print Advertisements (2008) concluiu que 51% das mulheres são retratadas como objetos sexuais em anúncios de revistas.
O mal causado pela objetificação feminina reflete desde cedo, segundo pesquisa feita pela revista Capricho, 76% das meninas de até 14 anos já fizeram ou pretendem fazer dieta e 36% já fez jejum intermitente por motivos estéticos.
Estética: do photoshop ao filtro das redes
Nesse contexto, Badger sugere algumas medidas para que os tomadores de decisão nas empresas escolham fotos que retratam mulheres de forma empática. Primeiro, suponha que a mulher é sua mãe ou irmã. Segundo, reduza e limite o uso de photoshop, que em boa parte das vezes replica uma imagem desconfigurada e até anatomicamente impossível do sexo feminino.
Como consequência do uso indiscriminado do photoshop por grandes canais e a popularização dessas ferramentas, o público geral se sente motivado a usar os recursos. Uma pesquisa feita pelo Projeto Dove pela Autoestima e divulgada pelo jornal Extra, mostra que 84% das meninas de 13 anos já mudaram suas fotos usando recursos de edição.
“Inovação é empatia”
Madonna Badger
Por fim, Badger argumenta que investir em diversidade e combater o machismo vai além de ética ou moral. Mas é, acima de tudo, uma ação inovadora e inteligente. Segundo dados da Association of National Advertisers (US) de 2018, anúncios com fotos realistas de mulheres aumentam a intenção de compra em 26% entre consumidores no geral e 45% entre as mulheres. Então, estar atento a essas questões garante que a mulher seja protagonista da narrativa daquela imagem ou campanha.
https://www.youtube.com/watch?v=5J31AT7viqo
O mal causado pela objetificação publicitária chega nas redes sociais como o fenômeno da auto-objetificação. É o que mostra o estudo, Women’s Self-Objectification and Strategic Self-Presentation on Social Media (Auto-objetivação e autoapresentação estratégica das mulheres nas redes sociais) de 2022. Ele constatou que à medida que as mulheres se engajam em uma autoapresentação mais estratégica, ou seja, com um propósito, a auto-objetificação em relação à própria imagem aumenta.
Um novo capítulo para concepção de belo
Uma vez que os movimentos sociais em busca de diversidade e realismo conseguem pautar suas causas na imprensa, para o bem ou para o mal, o marketing e o mercado acendem as antenas para captar os novos rumos. Prova disso, são as discussões recentes sobre etarismo e as empresas percebendo nos mais velhos um mercado inexplorado.
A menopausa, por exemplo, ilustra bem essa movimentação. Ainda hoje, quando mencionado nas rodas de conversa, o termo é recebido com resistência e desconhecimento, dado os sintomas incompreendidos que estereotipam essa fase da vida feminina. Um relatório de Harvard compartilhou que as pessoas percebem as mulheres na menopausa no ambiente de trabalho como menos confiantes e emocionalmente instáveis.
Mas, o mundo das startups parece estar tomando a frente da mudança. Segundo uma reportagem da Fast Company, o investimento global em femtechs relacionadas à menopausa foi de US$ 49 milhões(2022), quase três vezes mais do que no ano anterior. Assim, a menopausa está sendo desmistificada e o investimento dessas empresas contribui para abraçar o envelhecimento com informação e naturalidade.
Um longo caminho
A esperança é que essa percepção do envelhecimento como potencial para vender produtos, traga também inclusão social. Além de uma publicidade com padrões estéticos mais diversos. Mudanças que resultariam diretamente em um ambiente de trabalho mais acolhedor ao sexo feminino.
Uma pesquisa divulgada na Harvard Business Review, entrevistou 913 mulheres em cargos de liderança de diferentes setores como direito, organizações religiosas, ensino superior e saúde. O estudo concluiu que, mulheres abaixo dos 40 anos eram frequentemente subestimadas, enquanto aquelas com mais de 60 anos eram ignoradas. Já as mulheres de meia-idade, que também sofrem descriminação, é levantada a hipótese que isso aconteça pelo comportamento mais confiante que demonstram. Já que se sentem mais competentes em suas posições, o que pode intimidar colegas do sexo masculino. Ou seja, não existe idade favorável para ser mulher.
Enquanto isso, o mundo de fantasia e perfeição da estética presente nos editoriais de moda, que não admite que as mulheres envelheçam, não dá trégua. No início do mês, Naomi Campbell, Cindy Crawford, Linda Evangelista e Christy Turlington, quatro modelos protagonistas das campanhas de moda dos anos 90, apareceram juntas para anunciar uma série documental na Apple TV.
Lindas e mais velhas, as modelos tinham uma ótima oportunidade de aproveitar os novos ventos envolvendo padrões estéticos para reafirmar o envelhecimento como algo natural. Porém, a publicidade em cima do ocorrido e as primeiras imagens chamaram atenção para a quantidade de photoshop utilizado e a tentativa de esconder aspectos normais da pele.
(foto delas)
Espelho, espelho meu
Então, se para modernidade o belo é tudo aquilo que nos agrada, algo que satisfaz nossos sentidos e nos traz prazer sensível e espiritual, talvez o caminho seja dar menos atenção aos padrões universais e sentir nossa a beleza em nossa própria imagem. Assim, em uma atividade intencional, nos olhamos no espelho e sentimos nossa beleza em nossos traços únicos que carregam a história de quem somos. Afinal, o que é belo ou o que é feio, depende de um julgamento interno que constituirá o seu ponto vista. Escolha o ponto de vista que te favorece.
Beijos da Be.