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Sétima arte: ainda existe lugar para filmes fora do padrão?

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A sétima arte com filmes fora do padrão que desafiam convenções e proporcionam experiências únicas, ainda respira. Acompanhe as previsões para o a diversidade presente no cinema para os próximos anos.

O que seria do mundo sem as sete artes? Em 1923, Ricciotto Canudo, um intelectual italiano, publicou o “Manifesto das Sete Artes” onde elencou as sete formas de expressão humana que são capazes de nos tocar a alma, impactar nossas emoções mais profundas, nos permitindo maravilharmos com a vida, com a natureza e com a beleza presente no mundo. A arte materializa o que há de sublime em nós e nos conduz a buscar um sentido maior para a vida. Hoje, a sétima arte, particularmente com filmes fora do padrão, se coloca como uma solução para a realidade estéril que também habita a nossa humanidade e se apresenta com filmes fora dos padrões de tempo, estética e narrativa.

2023 foi o ano em que vislumbramos a inteligência artificial em nossas vidas. Entendemos como algoritmos podem comandar mercados e o quanto é urgente encontrarmos um equilíbrio entre o bom uso das novas tecnologias para a sobrevivência da nossa humanidade.

O cinema também não ficou de fora dessa discussão. Após uma das maiores paralisações da indústria da sétima arte, motivada também pelo advento da inteligência artificial, entendemos que para sustentá-la precisamos, sim, de audiência. Para além disso, encontrar maneiras possíveis de fugir dos padrões de sucesso (que já nem são garantia de tanto sucesso assim) e não deixar que a arte cinematográfica morra, valorizando filmes fora do padrão.

Já compartilhamos aqui no blog formas disruptivas e caminhos que produtores, diretores e cineastas seguem para tentar emplacar suas obras. Ainda assim, diante de uma arena onde as regras da atenção são comandadas por algoritmos em busca de rentabilidade, é preciso questionar caminhos possíveis para não perdermos de vez o poder da nossa atenção. Assim, enquanto público, poderemos garantir que a responsabilidade de escolha estará sempre em nossas mãos.

A sétima arte vs o cinema do conforto

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Nessa jornada em busca de preservar narrativas que propõe reflexões sociais, é crucial entender e exaltar os princípios que fundamentam a arte. Resultado de um movimento cultural estruturado e robusto, a arte entrega alto valor social, pois materializa  a intelectualidade e a cultura de uma civilização. Na arte, as produções têm relevância que atravessam séculos para compartilhar o retrato de um determinado período, uma inovação estética ou intelectual. A construção desse conceito é orgânico, vivo e elaborado por várias mãos. Incluindo aspectos como, valor artístico, exclusividade, opinião de curadores, relevância do artista, entre outros que juntos formam um “marketing de consenso”. 

Inspirado nos fundamentos artísticos, mas com adaptações, algumas obras cinematográficas constroem seus enredos e narrativas baseando -se em fórmulas antigas de sucesso. São histórias que seguem um fio condutor recheado de estereótipos e finais similares, para estimular a conexão emocional da audiência com a produção. Por meio de nostalgia, arquétipos e pautas comuns, a sétima arte também se adaptou ao modelo de produção industrial e por vezes opta por repetir fórmulas de sucesso. 

Quem aí já assistiu aquela comédia romântica com o final pouco surpreendente que agrada tanto nosso ego?

Contudo, são essas mesmas narrativas, sem muita profundidade, que possibilitam um final de domingo tranquilo e uma noite relaxada para começar a próxima semana. Assim, o que era uma estratégia de produção dos estúdios, agora também parte do público. O cinema do conforto, um termo recém-chegado às redes, é um fenômeno onde pessoas escolhem intencionalmente as produções conhecidas pelo conforto em repetir sensações agradáveis ao terminar de assistir. 

Maria Roale, gerente de pesquisa e insights no Grupo Consumoteca, disse ao jornal O Globo, que a tendência de buscar conteúdos já conhecidos começou na pandemia da Covid-19. Naquela situação, em que a ansiedade pelo incontrolável foi a angústia da vez, nada melhor do que apostar em um passado feliz que já conhecemos. 

Seja consumindo os clássicos, as novas narrativas, ou narrativas que parecem novas, mas não são tão surpreendentes assim, a sétima arte continua ocupando o papel que deveria. O de instigar as emoções do público e trazer reflexão, nostalgia ou conforto.

I importância dos festivais

Nesse sentido, festivais de cinema e prêmios como Cannes, Sundance, Globo de Ouro e o Oscar reforçam sua importância nos oferecendo julgamento baseado em técnica e conhecimento sério sobre cinema. Nessas premiações, a audiência tem a chance de aprender sobre os caminhos que compõem uma boa produção e se deixar seduzir pelas narrativas não tão comerciais, mas que trazem consigo bagagens artísticas importantíssimas enquanto aprendizado humano. 

O cinema como representante da arte cumpre o papel de explorar a humanidade que habita em nós. Esse é capaz de tocar em estruturas fundadoras do nosso ser devido ao seu poder imersivo. Assistir filmes que nos provoquem desconforto é a porta de entrada para promover novas conexões neurais que elevarão seu entendimento sobre o seu ser. . Ao compreender melhor a dinâmica de uma questão existencial do sofá de casa é possível que você se sinta mais potente diante da vida. É aí que mora a magia do desconforto.

Releituras, repetir a fórmula é sinônimo de sucesso?

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O musical inspirado no filme “Meninas Malvadas” foi recém lançado e está levantando algumas questões nas redes sociais. Mesmo sendo o remake de um grande sucesso, a produção não atingiu a bilheteria esperada, e parte do descontentamento do público se dá por duas questões.  A falta de transparência dos estúdios ao não pontuar claramente que o filme é, na verdade, um musical e ao fato de não respeitarem a essência do filme, que é sobre as maldades das meninas, para torná-lo politicamente correto. Ao que parece, a estratégia é intencional para chamar mais audiência, já que musicais não são tão populares atualmente. Além disso, evitariam cancelamentos, devido as cenas mais radicais que foram cortadas do filme.

O comportamento questionável ilustra o quanto os estúdios estão preocupados em investir em conteúdos confortáveis. Eles vão bem com o algorítimo e são “imunes” aos valores atuais. O que não necessariamente é uma garantia de sucesso. 

Oscar 2024: qual será o futuro da sétima-arte?

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Analisando o desempenho de alguns dos melhores filmes lançados em 2023, podemos notar as apostas da indústria e algumas respostas do público. 

1. Homem Aranha: Através do Aranhaverso vs O Menino e a Graça

Ambos estão na lista dos indicados ao Oscar 2024 de melhor filme de animação. Aranhaverso foi um raro exemplo de continuação que foi um completo sucesso em 2023 ao contrário de muitos lançamentos do império Marvel. Já o triunfo do emocionante O menino e a Graça, do mesmo diretor de Ponyo, o japonês Hayao Myasaki, demonstra que estamos abertos, sim, à escuta de narrativas que abordam uma gama de traumas e questionamentos existenciais a bordo de uma identidade visual impecável em um ritmo nada hollywoodiano.  

2. Anatomia De Uma Queda vs Barbieheimer 

O hype da dupla Barbieheimer e o investimento pesado em marketing com a enxurrada de rosa pelas redes não foi suficiente para levar o prêmio de melhor roteiro no Globo de Ouro de 2024 e nem indicações importantes para o Oscar 2024. A sátira de Barbie segue uma narrativa padrão “cinema do conforto” com uma pitada ácida e muito relevante. Contudo, isso não o suficiente para indicar Greta Gerwig a concorrer pelo Oscar de melhor indicação. Já Oppenheimer se apoiou no fascinante conflito público vivido pelo físico criador da bomba atômica. Somado a genialidade técnica do diretor, Christopher Nolan, que criou esse espetáculo sonoro e visual e vai para o Oscar concorrendo em 13 categorias.

Porém, quem recebeu o prêmio de melhor roteiro no Globo de Ouro e foi surpreendentemente indicada ao prêmio de melhor direção para o Oscar, foi a diretora Justine Triet por “Anatomia de uma Queda”. O filme reinventa narrativas jurídicas numa experiência onde a sentença está em nossas mãos. 

3. Perfect Days, Os Rejeitados, A Sociedade da Neve, Vidas Passadas, e Zona de Interesse

Todos esses indicados ao menos a uma categoria do Oscar 2024 são ótimos representantes do cinema de reflexão. Ou seja, aquele onde o impacto é profundo e as ideias precisam de tempo para serem digeridas. Essas obras e tantas outras são verdadeiras obras de arte, tesouros que evidenciam nossa humanidade escancarada nas grandes telas. Com isso, ocupam lugar em nossas vidas, ressoando em nossa alma para sempre.

Em busca do equilíbrio: Novos rumos para a indústria

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Várias produções podem não ter uma grande bilheteria, como a Barbie, mas ainda assim, encontrarão seu público e podem ser bem-sucedidas por outras variáveis. Em acordo com as indicações, exploramos alguns comportamentos do mercado que podem servir de norte para quem quer garantir audiência.

1. Streaming globalizado

A originalidade e diversidade cultural, fomentada nas plataformas de streaming, é um fator considerável para tornar uma produção valiosa. Esse crescimento contínuo do modelo de streaming globalizado, aumenta a demanda por conteúdo autêntico, o que possibilita o alcance internacional para os criadores de conteúdos de mercados emergentes, como o Brasil.

Chamamos esse movimento de “furando a bolha” do streaming em nosso artigo de tendências 2024. Nele vemos produções brasileiras se tornando fenômenos mundiais, ocupando rankings de reprodução das plataformas. Caso recente da série “DNA do Crime” da Netflix

2. Narrativa dos games

Um artigo publicado pela Deloitte Insights mostra que a convergência entre a indústria de filmes e jogos em 2023 foi responsável por várias franquias de sucesso, como, por exemplo, o filme Super Mario Brothers, que se tornou o filme de videogame mais bem-sucedido até então.

Essa estratégia está direcionada principalmente para o público mais jovem, levando Hollywood a buscar novas propriedades intelectuais (IP) nos jogos, e empresas de jogos a colaborar em produções de TV e filmes.  A previsão, segundo o artigo, é que a participação das receitas de bilheteria de cinema provenientes de IP de jogos dobre até 2025, com a maioria dos principais serviços de streaming incluindo programas baseados em jogos até esse ano.

Outro benefício desse segmento é o envolvimento das comunidades.  Millennials e a geração Z dedicam tempo de entretenimento significativo aos jogos, por isso, compreender e se conectar com esses fandoms é crucial para expandir franquias em novas mídias. Adaptações bem-sucedidas requerem consideração cuidadosa dos desafios e a manutenção do compromisso com os fãs.

3. Metaverso tá on

Em janeiro (2024) a Apple finalmente lançou o Vision Pro, seu óculos de realidade aumentada. Semanas após o lançamento, a empresa anunciou uma parceria com a Disney, informando que o Vision Pro poderá ser usado para assistir filmes disponíveis da Disney Plus. Exaltando, assim, uma experiência imersiva para o usuário, recheada de conforto e personalização.

A movimentação indica uma valorização do consumo de filmes em casa, o que dá esperanças para aqueles filmes que talvez não tenham um bom desempenho nas bilheterias.

4. O consumidor é quem manda

Por fim, é bom lembrar que por mais que os algoritmos façam parecer que não temos poder de escolha, nosso comportamento dita para onde vão os dados. Assim, mesmo que de forma limitada, devemos em um movimento intencional, olhar para um consumo mais lento, que priorize a desfrutar de temas mais profundos. Desta forma, puxamos a responsabilidade do conteúdo que tem bom desempenho para nós e como resultado exaltamos produções que compartilham aprendizados e valores que acreditamos.

É o fim da sétima arte?

Aos amantes da ideia de liberdade criativa como poder de cura não há dúvidas, a sétima arte vai prevalecer, sobreviver e renascer mais forte sempre que necessário. Entender e respeitar as necessidades humanas para cada tipo de consumo, ou cada demanda tecnológica, quando se trata da IA, é o caminho para tal.

Quando falamos de filmes “cults” ou independentes, normalmente encontramos narrativas que tocam em realidades humanas não tão agradáveis de assistir. Por isso, não é tarefa simples encontrar audiência disposta a construir essas reflexões. Acontece que essas narrativas falam da nossa realidade e propõe um cinema em que sua história seja atuante na construção do que foi contado. O que reafirma nosso poder de escolha sobre isso.

Assim, pode até ser tentador assumir que somos vítimas do marketing rosa massivo do filme da Barbie. Por outro lado, percebemos que mesmo com tantas intervenções tecnológicas e algorítmicas, são em sua maioria as obras profundas as protagonistas no palco de grandes prêmios. 

A algoritmização das plataformas de streamings , quando voltada para o lucro, representa um desafio para a cultura que propõe como moeda de troca a reflexão. Nesse jogo de dados, menospreza-se a avaliação crítica humana pela avaliação algorítmica para determinação da qualidade artística. Ou seja, a única saída para tal é preservar a subjetividade humana na produção artística, alertando para os riscos de um cenário onde a cultura é moldada predominantemente por algoritmos.

Beijos da Be.

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