Com tantas opções no cardápio, encontrar a fórmula perfeita entre alcançar a audiência da sua produção audiovisual e garantir retorno financeiro é um desafio para o mercado. Acompanhe os bastidores e as possíveis soluções para o cenário.
O historiador Yuval Harari defende em seu livro Homo Sapiens que o ato de contar histórias foi crucial para a consolidação do ser humano no planeta. Yuval chama esse momento de “revolução cognitiva”. Ela aconteceu a 70.000 mil anos atrás, quando após uma mutação no DNA, passamos a desenvolver mais a imaginação, criação, fala e comunicação. Todos os aspectos para construção do audiovisual.
A partir daí, contar histórias se tornou a base da cooperação humana. O compartilhamento de informações, ou a “fofoca”, mencionada pelo autor, foram o ponto de partida para o estabelecimento das comunidades. Ou seja, foi ao redor da fogueira, uma história após a outra, que o Homo Sapiens elaborou conceitos de sobrevivência, espiritualidade, ética, política e todos os conceitos sociais que nos regem até hoje.
Mais tarde, o teatro grego consolidou o papel do storytelling na construção social, desempenhando um papel educativo e formativo para a população. As peças teatrais gregas eram festividades, onde a comunidade, incluindo todas as classes sociais, se reunia para celebrar e refletir questões humanas, morais, políticas e filosóficas. As tragédias, em particular, exploravam conflitos e a condição humana enquanto as comédias faziam sátiras sociais e políticas.
A influência do teatro grego foi tão grande que ainda hoje as produções seguem esse modelo e constroem personagens que expressam conflitos humanos, sociais e existenciais. Estes, que por vezes nós mesmos não nos damos conta, porém ao assistir, nos relacionamos profundamente.
Audiência
Um dos maiores desafios do audiovisual hoje é a audiência. O mercado tenta entender qual é a nova fórmula que garante uma excelente experiência para o público e o sucesso de bilheteria. Simultaneamente, produções milionárias se deparam com prejuízos do mesmo tamanho e produções sem muito apelo comercial buscam espaço para trazer o dialogo a respeito de questões sociais relevantes.
Afinal, se construir e contar histórias é parte protagonista da nossa evolução, encontrar esse equilíbrio é crucial para experienciarmos histórias de qualidade. Conheça algumas estratégias usadas por pessoas no mercado.
1. Encontre o apelo comum
Arte é um produto coletivo e por isso é necessário equilibrar o roteiro para encontrar o ponto de encontro entre seu sonho pessoal e o que pode interessar ao público, mas nem por isso ele precisa ser necessariamente pop. Exaltar outras formas de engajamento que fujam do convencional pode ser uma boa forma de “hackear o sistema”. Se não tem romance, qual outro aspecto emocional é comum a humanos e pode funcionar?r?
Temas como romance ou drama, que vendem bem, são parte da história da nossa espécie e estão relacionados com aspectos profundos da nossa existência. Assim, quando pensar na forma de vender sua história, busque uma narrativa com um peso social. Isso servirá de apelo comercial para história que você realmente quer contar. Esse deve ser um trabalho intencional, pois nem sempre o direcionamento certo será superficial.
A produtora Hello Sunshine fundada pela atriz Reese Witherspoon, por exemplo, encontrou na multiplicidade de olhares femininos a fórmula para contar histórias impactantes e cotidianas. Mesmo explorando o romance, as produções da Hello se distanciam da abordagem tradicional das comédias românticas e exploram a complexidade dos relacionamentos.
2. Invista em subjetividade
Em tempos de Inteligência Artificial, em que a produção de roteiros terá também a participação de robôs, investir em aspectos subjetivos e comuns a humanos é um caminho para diferenciar suas produções das máquinas e engajar a audiência emocionalmente.
Ou seja, assuntos que envolvem espiritualidade, conexão emocional humana e que tratam de saúde mental, por exemplo, são temas subjetivos que precisam da relatividade da interpretação para construírem sentido em torno da trama.
Outra forma, é investir em formas autênticas para comunicar as camadas da trama e a representação da história em imagens. Assim, como em uma boa receita de bolo, em que a sequência que se misturam os ingredientes importa, no audiovisual, a coerência da hora de misturar todos os elementos é o que torna o produto final único e difícil de ser reproduzindo.
Aqui o importante é ter olho na criação, mas não perder o foco na entrega da mensagem. A arte do cinema não é só contar uma história, mas sim contar uma história por um caminho criativo e que principalmente entregue a mensagem ao receptor de maneira efetiva. Nem todos vão sentir da mesma forma, mas a maioria deve captar a mensagem. Esse alto envolvimento emocional e criativo pode ser um caminho para destacar sua produção e emplacar audiência.
3. Produção independente e coletiva
A produtora e atriz Issa Rae construiu seu espaço no audiovisual explorando a subjetividade de ser uma mulher negra nos EUA. Em sua produção The Misadventures of an Awkward Black Girl, Issa conta a história de uma jovem americana que além da questão racial, está imersa em acontecimentos que influenciam aspectos comportamentais diversos no seu cotidiano.
Issa Rae também é um exemplo de sucesso vindo de um canal independente no Youtube. A série The Misadventures of an Awkward Black Girl foi lançada em seu canal no Youtube de forma independente.
Aqui no Brasil, Natalie Smith, atriz, diretora e produtora, também está investindo nas produções independentes por meio dos canais digitais, sem precisar depender de apoio de grandes produtoras e estúdios. Natalie investe em narrativas LGBTQIA+ e na série Stupid Wife, disponibilizadas no Youtube, o que sustenta a opinião da produtora de que existem opções democráticas para promover narrativas diversas e o Youtube pode ser esse espaço.
Por outro lado, independente não significa sozinho. Tanto Natalie, quanto outros especialistas na área acreditam que é necessário procurar por parceiros que acreditam nas mesmas ideias que você. Quanto mais pessoas conectadas ao seu propósito maior será a força de produção. E nada melhor para conhecer pessoas com interesse comum do que iniciar um curso na área, por exemplo.
4. Narrativas do mundo dos games
Não é de hoje que o audiovisual aproveita os jogos de sucesso para suas produções. Mortal Combat e Tomb Raider são produções memoráveis que ilustram a capacidade de sucesso de investir em narrativas do mundo dos jogos. Inclusive, até o momento, o campeão de bilheteria de 2023 foi Mario Bross e The Last of Us uma das séries mais assistidas no primeiro semestre de 2023.
Com audiência fiel, essas produções já chegam no mercado com hype e promessa de sucesso. A cada ano o movimento está mais presente nas produções de Hollywood que recentemente incorporou também a cultura dos games online. Esse público, que já tem comunidades bem estabelecidas no mundo digital, está pronto para mobilizá-las.
Os jogos são uma grande fonte de narrativas e para atingirem a expectativa do público, o cinema precisa adaptá-los em formatos imersivos para contar essas histórias ou oferecer experiências únicas presencialmente.
É nesse contexto que o lançamento do óculos de realidade mista da Apple Vison Pro, entra como promessa de oferecer mais uma nova experiência para o audiovisual.
Com campo de visão aumentado e borda infinita, será possível aumentar a perspectiva de tamanho da imagem. Tudo isso, somado a alta resolução de áudio, promete criar uma experiência de imersão total. Perfeita para os jogadores online que valorizam fazer parte da história.
Quando grandes produções não encontram audiência
Mas, conquistar uma audiência não é uma tarefa fácil e por vezes grandes nomes também passam por desafios neste quesito. Recentemente o filme Flash, a maior aposta do ano da DC, não atingiu o retorno esperado.
Promovido pelos CEO da Warner David Zaslav como “o melhor super-herói que já assisti.”, a declaração elevou as expectativas do público para um alto nível. Além disso, o investimento pesado em marketing, contratando influencers para promoção nas redes também colocou as expectativas em outro patamar.
Acontece que os números não chegaram nem perto de atingir o esperado. O filme custou $200 milhões e até a última semana de junho arrecadou em torno de US$ 280 milhões. Sendo que apenas 50% desse valor vai para o estúdio e $150 milhões foram para o marketing. Para equalizar o cenário, a arrecadação esperada era de pelo menos $ 700 milhões. Porém, a projeção mais otimista, após o lançamento catastrófico do filme, mostra que ele deve acumular US$ 310 milhões.
Contudo, muito além do prejuízo financeiro, especialistas apontam outros problemas causados pelo fracasso do filme, o legado ruim para outras produções da DC. Quando acontece essa quebra de expectativa com o consumidor, você coloca em cheque a reputação da marca o que pode prejudicar os próximos lançamentos como Besouro Azul.
Mas precisa ser novo sempre?
O filme da Barbie e da Pequena Sereia são exemplos que, às vezes, o que o público quer é um remake bem feito. Nos dois casos, as produções partem de personagens conhecidas do púbico para trazer reflexões ligadas a diversidade, pauta quente em todos os setores do mercado.
No caso da Barbie, a nova produção tem como missão alterar sua imagem e mostrar uma personagem que conversa com pautas feministas e não reforça os padrões tóxicos do passado. Para isso, a equipe de marketing está investindo forte em ações criativas e mobilização junto a audiência para promover o longa. Faz dois meses que a Margot Robbie só usa roupa rosa, como a Barbie, a casa da Barbie foi recriada para visitação em uma experiência imersiva, o cinemark lançou uma collab com a Bubbalo, produzindo uma pipoca rosa para o lançamento do filme, entre infinitas outras ações pelo mundo.
O filme tem previsão de arrecadar US$ 80 milhões somente em seu fim de semana de estreia, de acordo com Hollywood Reporter.
Mercado do cinema
Independente das transformações do mercado de cinema, a certeza que fica é que contar histórias continua sendo um meio para a evolução de debates sociais. Assim como nossos antepassados, nós também pautamos temas morais, sociais e políticos em nossas produções.
A boa notícia é que, diferente do passado, hoje em dia mais pessoas têm espaço para contar suas histórias. Bem ou mal, os canais de streaming impulsionaram essa democratização. Ainda que existam discussões trabalhistas pendentes, não há como negar que a diversidade de narrativas dos dias de hoje é superior comparada há uma década.
Por outro lado, essa alta oferta de produções acirra a disputa pela audiência. Esse cenário, muitas vezes, obriga o mercado escolher dois caminhos. Primeiro, investir em histórias comerciais, que já deram certo, na busca de acertar a fórmula do lucro. Segundo, mirar em super produções, com efeitos e inovações mirabolantes e caríssimas, o que agrava as chances de crise.
Seja como for, o cenário indica que a oportunidade para colocar em prática aquela produção sonhada depende principalmente de considerar a função histórica da contação de histórias na evolução humana.
Por isso, olhe sua produção como um meio para continuar promovendo essa transformação histórica da nossa experiência no planeta.
Beijos da Be.